Eis abaixo um texto(maravilhoso) que foi publicado no Diário Catarinense de 27/02/11, do colunista Mário Pereira. Merece aplausos. Confira:
"O calendário à minha frente avisa que o Carnaval bate à porta. Preparo-me para bater-lhe a porta na cara. Costuma-se dizer que todo o bom brasileiro gosta de Carnaval. Trata-se de mais uma falácia neste país de tantas. Considero-me um bom brasileiro, amo minha pátria, e porque dela tanto gosto é que detesto os que a conspurcam e aviltam. Pago meus impostos em dia, não atiro lixo na rua e, nas eleições, esforço-me para escolher os melhores candidatos. Aliás, isso talvez explique por que tenho perdido tantas ultimamente...
Se eu cumpro os meus deveres de cidadão, exijo que respeitem os meus direitos, entre os quais está o de não gostar de Carnaval.
E nisso não estou sozinho. Conheço muita gente que também execra o tal “tríduo de Momo”. Somos uma minoria, formamos uma ilha cercada de foliões por todos os lados. Mas o que se há de fazer? Se todos gostassem das mesmas coisas, o mundo seria uma reverenda chatice.
São as diferenças que dão cor e sabor à vida. Unanimidade é coisa de cemitério, como pregava o nosso grande Nelson Rodrigues. De minha parte, a única igualdade que prezo, cultuo e defendo é a igualdade de todos perante a lei. Quanto a tudo o mais, sou um apologista das diferenças.
Bem, vamos deixar de lado essas divagações, e voltar ao Carnaval e aos meus preparativos para “sobreviver” a mais uma dessas fatalidades do calendário gregoriano. Como de costume, do sábado até a manhã da Quarta-feira de Cinzas, só porei o pé na rua para comprar o pão nosso de cada dia ou quando meus cachorros me levarem a passear, manhã bem cedo, no parque aqui perto. Com certeza, cruzaremos com grupos de foliões tardios, bêbados e amarfanhados, caminhando, trôpegos, rumo às suas casas.
Ainda hoje, vou prover a despensa e selecionar o livro e os filmes que me ajudarão a atravessar esses dias de voluntária clausura.
Como estou em fase de releituras e reprises, penso colocar na cabeceira Moby Dick, o épico de Melville. Entre os DVDs, dois clássicos já estão definidos: o hilariante Quanto Mais Quente Melhor, de Billy Wilder, com Marilyn Monroe, Jack Lemmon e Tony Curtis; e o arrepiante Disque M Para Matar, de Alfred Hitchcok, com Grace Kelly (depois princesa de Mônaco) e Ray Milland. Só coisa boa, não é mesmo?
Mas por que tamanha alergia ao Carnaval? A primeira razão é que não suporto multidões. Gosto de futebol, mas há muito deixei de frequentar estádios porque, neles, a agressividade das torcidas, nutrida pelo anonimato da massa, me assusta. No Carnaval de rua, é ainda pior. Ser empurrado e pisoteado – quando não vítima de um “arrastão” – não está no meu cardápio. Além disso, causa-me repugnância o contato com pessoas suadas e, quase sempre, pouco asseadas.
Também não gosto de barulho. E o “ziriguidum-baticumbum” é o paroxismo da barulheira sem eira nem beira, que a nada e a ninguém respeita. Gosto de samba, mas baticumbum é samba? Igualmente, não vejo qualquer graça em enredos estapafúrdios que misturam baianas, índios, seres extraterrestres, esfinges, cavalos com asas, etc.
E as fantasias, com todas aquelas plumas, sempre as mesmas? Um ano elas são usadas na cabeça, como gigantescos cocares; no outro, voltam adornando traseiros – alguns exageradamente volumosos – como caudas de pavões. Ah, a mesmice!
Deu para entender? Podem me chamar de fóbico, excêntrico, neurótico. Pouco se me dá. Tem gente que não gosta de comer quiabo ou “dobradinha” (eu também). Eu não gosto de Carnaval. E estamos conversados. Não me queiram mal por isso. Repito: é um exercício de liberdade. Respeitem a minha como eu respeito – e defendo – a de todos.
Um bom Carnaval para quem gosta. Agora, se me dão licença, vou saindo de fininho antes que algum folião mais exaltado me apareça pela frente. "